Quinta-feira, 29 de Maio de 2008
"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição.
Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito. É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho.
Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos. A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima.
Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!"
De Manuel Norberto Baptista Forte a 31 de Maio de 2008 às 11:52
"DÁ QUE PENSAR!" e muito face à quase farsa que representa o nosso quotidiano.
Permitam-me destacar o 2º parágrafo, que acho notável de lucidez e objectividade.
Repetia-me há uns dias um amigo numa amena conversa de fim de tarde algo que muitos sabem, alguns fingem que ignoram, e outros ignoram mesmo (já estão "apanhados"); o stress e a depressão vão ser as doenças "...deste Século...".
A não haver uma inversão de mentalidade e de política, esta sociedade consumista que vivemos em Portugal, copiando constantemente "modelos", as pessoas dando autênticas cambalhotas à rectaguarda para alcançarem o seu objectivo, a pressa quando a seguir nada se tem a fazer, e muitos mais exemplos, espelham bem que as pessoas estão ... menos bem. Prozac, só!? E a quantidade de anti-depressivos que já são consumidos em Portugal!?. Passem por um Hospital (Consulta Externa de Psicologia Clínica, e Psiquiatria, por ex.), e constatem a faixa etária dos seus utentes. Não são só, ou mais Reformados e Idosos que lá se vêm; pelo contrário ...
De monica a 19 de Junho de 2008 às 05:17
Ainda bem que a vida não depende nem do berço nem da fortuna pessoal mas do desempenho que as pessoas demonstrem, ainda que a realidade nos dê, infelizmente, provas de que nem sempre é assim. Mas temos que nos agarrar aos exemplos em que de facto o que venceu foi o mérito.
Também não tenho filhos e não gostava de criar, os que tiver, como potros de competição mas como pessoas responsáveis, íntegras e bem formadas e isso não depende dos explicadores, educadores e psicólogos, começa em casa. Quanto à pista de atletismo, se aquelas qualidades estiverem presentes, acredito piamente que é possível conciliar a meritocracia com a humanidade.
E porque é que o jornalista fala em maridinho de sonho e não fala em mulherzinha de sonho visto ele ser homem?!! Os amigos de sonho?! Isso não são amigos são contactos/conhecimentos.
E de tudo o que o senhor diz fica a dúvida: afinal treme por ter crianças porquê? Porque tem medo de ser feliz? Ou porque teme deixar de ser feliz? E porque não ter crianças e ensinar-lhes que o fim último da vida é a felicidade e não a excelência, huummm... Se calhar dá mais trabalho a ser pai do que ser um treinador de potro de competição...
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